terça-feira, 12 de janeiro de 2010

1992 - A Boa e a má divisão entre o bem e o mal


 Sem dúvidas, receber aquela premiação de melhor aluno na pré-escola não foi nada comovente, mas na época foi gratificante. Tia Rose, como minha primeira educadora gostava de ser chamada, dava um prêmio para um menino e uma menina que mais se destacassem durante o ano como bons alunos. Não era necessário ser inteligente ou um gênio incompreendido para ganhar aquele jogo de quebra-cabeças no último dia da pré-escola. No meu caso, bastou ser calado demais e não atrapalhar o trabalho da Tia Rose durante o ano inteiro. Funcionou bem, obrigado.

Tudo bem que eu não era nenhum santo também, e fazia qualquer pecado de vez em quando. E o mais memorável me fez entender que uma pessoa má ou boa não pode ser avaliada mediante suas atitudes, e sim mediante seu coração. O que quero dizer é que a sala de aula estava bem dividida entre as crianças mais extrovertidas, as mais bagunceiras, as inteligentes e as verdadeiras portas-quadradas-bípedes-falantes.

Como sempre, havia um menino tão agitado e problemático que conseguia estressar Tia Rose com uma facilidade impressionante. Tínhamos todos seis anos naquela época, mas duvido muito que ele tivesse essa mesma idade, ou se tinha, aparentava bem mais. Era alto, forte, desobediente e rebelde, que segundo eu, fazia parte dos “maus”. Eu só entendi que a qualificação de “mau” e “bom” não deveria ser usada para distinguir ninguém porque tudo depende de um ponto de vista, e como já havia dito, também depende do coração.

Sempre fui tímido, e devido a isso eu não gostava de conversar e nem de nada que pudesse me expor aos outros. Por isso vivia preferindo ficar rabiscando num papel do que brincar com a grande maioria das outras crianças. Mas, certo dia eu fiquei sozinho na sala de aula, e meu lado “bom” se esvaiu por um momento; assim, querendo ser diferente e fazer o que eu não tinha coragem de fazer perante todos, eu começei a bagunçar para me sentir mais valente - pois era a visão que se fazia dos valentes, dos notáveis, daqueles que não merecem ser esquecidos.

Para mim uma bagunça grave, porém suficiente, era apenas fazer barulho. Contentei-me batucando com força meu pequeno porta-lápis (que na verdade era a parte de baixo de uma garrafa pet dois litros). Minha primeira tentativa disso fracassou quando o porta-lápis se espedaçou no chão. Diante do fracasso e do medo do que poderia acontecer quando descobrissem meu feito maléfico, eu chorei.

Foi assim chorando, que os outros alunos me encontraram quando voltaram à sala de aula, e eu não sabia explicar. Ou talvez nem quisesse explicar. Mas quando a professora perguntou o motivo de meu choro eu não tive coragem de contar, e apontei o porta-lápis despedaçado.

_ Quem foi que quebrou seu porta-lápis? –  perguntou Tia Rose, num tom muito calmo e compreensível.

Aquele tom de voz amistoso me forçou a dar uma resposta satisfatória e verdadeira. Corri os olhos para as demais crianças que estavam ali, e quando a verdade estava saindo de mim diante da falta de escolhas, escutei uma voz muito próxima cortando aquele ambiente. Dizia:

_Desculpa. – Não queria acreditar naquilo, mas justamente o menino que eu considerava como o mais perverso de todos estava querendo pedir desculpas? O que ele queria dizer com desculpas? Que tipo de humilhação maior ele queria me causar?
E quando ele completou a frase eu chorei ainda mais:

_Desculpa. Fui eu que quebrei.

Até hoje nunca entendi porque ele fez aquilo por mim, uma vez que não tínhamos nenhum tipo de ligação de companheirismo. Eu o detestava tanto que não compreendi o que ele disse. O mais incompreensível nisso tudo foi ele justificando para a professora que não deveria ter feito aquilo e se arrependia. Quando a aula voltou ao clima normal, ele se dirigiu à mim longe das demais pessoas. Então eu descobriria os motivos que o levaram a tomar tal atitude. Talvez ele tivesse feito o que fez porque iria exigir alguma coisa posteriormente...

_Escuta... Desculpa, e depois eu dou um jeito de arrumar outro porta-lápis para você.

Fiquei atônito, e nunca lhe respondi nada sobre o assunto. Aliás, nunca entendi o que aconteceu de fato, embora esse acontecimento tenha se tornado forte o suficiente para não se apagar de minha cabeça junto de tantas outras memórias do passado.

No dia de despedida da pré-escola, todas as crianças ganharam uma muda de brassalia para plantarem e cuidarem até que um dia se tornasse uma grandiosa árvore. A maioria dos alunos recebeu apenas uma muda, mas uma menina da classe e eu recebemos além dessa muda um jogo de quebra-cabeças como prêmio de melhores alunos. Confesso que momentos antes de ter o brinde em mãos, eu ainda pensei em agradecer aquele menino (que realmente meu deu um porta-lápis depois). Não o fiz, e deixei passar, ficando mais uma vez satisfeito com o que não sabia. Jamais saberia o que o leva uma pessoa a mudar de personalidade sem nenhum motivo aparente, mas de qualquer modo sei que isso foi suficiente para que eu deixasse de rotular as pessoas como “boas” ou “más”. Infelizmente, naquela época eu ainda não sabia que pessoas “más” realmente existem, e nesse caso, confiar nas pessoas ignorando seus rótulos pode ser muito pior do que deixar de entender uma mudança de comportamento.

Trecho verídico. Parte de uma série de lembranças blogadas para não serem esquecidas por uma memória traiçoeira no futuro. Por favor, deixe um comentário, se chegou a ler! Ficaria muito grato!